Um Homem, cansado, trabalhou. Acabando de largar o terno, anda por andar. A rua encontra-se oculta em seu peito,como uma floresta vazia, asfaltada, violada pelo sol, que castiga. Se sente só, por isso, continua a andar para algum lugar, de onde possa ver o mar. As esquinas e praças se bifurcam de modo a parecer tudo estagnado e suspeito.Olhos aparecem de onde não se vê,sempre. Não seria a culpa? Não. Não pode.A falta,talvez. A cidade, por onde o homem anda, é uma estranha conhecida, percorrida por carros velozes e remotos, por hora vagarosa. À vista, velhinhas de existência compram pães dormidos,enquanto todos continuam a trabalhar.E a rua, um tanto quanto vazia,cochila na ausência da passagem.Era muito sol, para apenas um homem,em meio a indiferença, suar.
O céu parece-lhe tradutor de toda a nostalgia e agonia...Tão pesado...Para um velho o tempo ainda passa, e como... Sempre, toda hora,um ódio, horror.Ele acende um cigarro, e por ai continua, estrada e buracos, a pé. Chega em meio as árvores da cidade,em concreto,em terra,em mato,em aço. Os passos já são mais escutados, e o vento canta mais suave a sua virada. Apenas um comum dia da semana, como uma segunda, terça, daria na mesma...
Em sua cabeça passam fragmentos da vida, teria ele uma expressão de dor, alegria, vontade? Ele nunca se viu no espelho, pois na cidade não havia, não podia, talvez tenha já, algum dia, se visto mal em algum reflexo. Nunca saíra da cidade, pois era uma ilha. Não pousavam aviões, muito menos passavam navios. Para nadar doía e o mar ficava longe do centro, a água era fria,por onde,também,nadavam tubarões caçadores da comida ao ermo da fome,perdida sob a vida salobra em idas e idas.
A cidade não era grande, também, nem tão pequena. Vivia isolada, não se sabe por quem. Muito menos o homem sabia. Ele só andava, pensando. Sentia-se como tivesse nascido adulto, angustiado, infeliz, esquecera da família, queria voar. O tempo era, é, será sempre um sopro. Moço velho, velho moço... Sentia-se saudoso, mais do que demais.
Em certo instante, num espreguiço e desvio de parâmetro, para lhe na frente uma mulher, que o olha, sem mais, o olha. Sem expressão, olhos claros, acinzentados de oceano falho, leigos, meigos, de longe, de menina, de mulher.Ele para de andar, inconscientiaza-se por instante, suas pernas não se entendem, sustentam-se no calafrio. Ela sorri,resplandescente em seu vestido, percebendo o vento a despi-la, seu sorriso se esfria assoprando seu aroma .Com isso, vira-se, e anda, de tal modo que faz o rapaz segui-la. Homem fraco, hipnotizado por sua guia, curvas e curvas, para onde não se sabe. Assim, ele espera chegar a algum lugar,ou,até mesmo,não.
A moça morena faz seus quadris requebrarem, de modo a não passar a impressão de que tal fato se dava pela irregularidade dos paralelepípedos tropeçados. Sensual, apenas natural. Pela cabeça do homem não passavam muitas coisas, a tristeza estava guardada, por instante, esquecida. Ele a seguia. Nunca vira um branco tão branco quanto o que essa estava a vestir. O vento segurava-a pelos cabelos em noite, a modo a querer beijá-la e amá-la, harmonia sensual com a natureza. O tempo embrandece, vento domado com o passo,em compasso.
Viraram em uma esquina, um beco, nunca por ele visto, tão longo, estreito. Ela parou, descalçou suas sandálias, acariciou os próprios pés macios... E continuou a andar.Não parecia se incomodar com o estranho que a seguia. Suas nádegas eram fortes, sua áurea leve. Por onde passava, o ar se refrescava. O homem já se sentia muito atraído,já se sentia perdido,erguido e absorvido à chama...Quando na virada do beco,na passada de um gato, num reflexo lampejo de sol,na intermitência veloz de um estouro como um tiro, a mulher sumiu.
...
O rapaz se viu perdido, em um local onde mal conhecia,o coração parou.Miragem!Miragem?Pensou em de vez parar...Voltou e de novo ficou. Andou mais um pouco, tornou a procurá-la, sentia seu cheiro doce, de concupiscência desejada, mas só via o mar...Que não era visto por seus olhos desde a época que era adolescente. Parou para olhá-lo, saudosista por segundos, apenas por segundos. A mulher não saia de sua cabeça. Por lá,no sopro do seu estar...Não via, não havia sinal de humanidade. Continuou a andar pela orla. O vento não decidia direções, por vezes trazia, por vezes levava o cheiro da rapariga tão formosa. Parecia ter a carne cozinhada, era o aroma da cidade em seu momento,em seu cerne carcomido.
Estava a escurecer...No céu...Em seu âmago desiludido... Quando avistou uma pedra, resolvendo,então, escalá-la. Com muito esforço, força, jeito, sem jeito,não importa,chegou lá, parou para suspirar, para deitar e novamente fumar, quanta fumaça. Que vista. O sol sangrava sobre o mar, amando sua dor, seu complexo de Narciso. Há anos, o homem só via prédios. Naquele exato momento, de frente para o mar,inerte, tornava-se um vulnerável anônimo, não que na cidade não o fosse, mas ali se encontrava selvagem ao ar. E por ali, pensou mais no tempo...Miragem? Nem se lembrava do cheiro do seu ultimo amor, muito menos das vias que conhecera,dos olhos embrandecidos ao acaso terno do tempo. Apenas se perdia em trabalho. Papéis voados, como cinzas de seu cigarro, o tempo carregado pelo vento. Não conhecia o mundo. Seu coração, uma ilha.
Imaginou-se moço, com todo o seu osso a aparecer, querendo a pele rasgar... Levantou (são as sustâncias de banha) e olhou ,mas quando olhou,por entre a fumaça de seu fumo... A viu. Moça, na junta, fenda, entra as pedras...frágil como louça.Em forma. Avulsa.Sua cara despida,o corpo só e ensopado,a pele linda,cara e carente. Ela o percebeu, por tal fato, ato nítido, chamou-o, com um olhar carnívoro. Com medo da vontade, ele assim mesmo foi, não pode reprimi-la. O vento ali não a tocava.Era suavemente molhada pela água que explodia em socos avassaladores com as pedras. Uma briga pela mulher, pela sensualidade morena. A água contornava o corpo de seu vestido, que colava em seu busto quente, saudável, erguido. À visão, uma suculência em meio aos olhos cheios do vazio. O homem, contudo, se vai em direção a carne, mergulha sua sede nos lábios molhados da menina, se perdendo em uma sopa sob erupção, sem pensar, com vontade, fogo que não se apaga, nem com a água que envolve toda a peça. Toca-lhe entre as pernas, áreas úmidas, por onde escorrega, fonte, por onde, resolve matar toda a sua sede, trilha brava que não se entende, exploração não mais inocente. O vestido se degenera.
Nessa troca, ela desprende todo o seu cheiro, suor, ondas flácidas, plásticas, quentes, voluptuosas,vorazes. Sua língua era doce e a voz tecida em veludo, em gritos meigos, curtos, lúcidos, ilúcidos, pegada forte, amada vulva, ao aconchego de seu útero.E suava como a efemeridade da saliva. Seus pés de nativa, ensaiavam chutes sobre as pernas do momentâneo adolescente, que nunca se vira em tarde tão feroz...Os dedinhos contorciam-se em cãibras e libido,arranhões não mais aflitos.Ele a amou,virou-a e amou mais,apalpando seus seios,não tão forte,a sentir a freqüência das batidas rítmicas, no lado esquerdo,uma bomba, uma chama, um relógio.Era tanta força...e paixão,num quente lago de vontade em sangue...Quando...Quanto...Tanto!!!Meia noite.Sai um grito forte,em corte,de porte,em morte,longe forte,sorte,rachado pela carne da boca úmida dela, agudo ,como uma dor liberta,escrava, encrava.Gozo,suspiro.Ele estava com um mamilo,a quase,mastigar...Quando ela,então, se solta,morde os lábios,suavemente sangra-os... E não se seca do suor,transparece,nua...,mergulha,e vai embora...Para o mar.
O homem não entende, olha e se toca,mais pesado que o céu,escuta a voz morena lhe retroceder, lembra-se do último suspiro da menina, uma cosquinha aos ouvidos, o último!A voz rouca.Arrebentada. Desvairada.Eternizada. "Chamo-me Saudade”. Ele cai a chorar, olhando-se no reflexo da poça de suor e chuva. Sua barba branca, a cabeça grisalha,os pálpebra pesada, a ruga passada, a garrafa de cachaça. E assim, por ali se senta vendo da ilha o mar tão cínico, sem saber também nadar, em prantos, esperando um dia, sua filha Saudade voltar.
Para sua própria ilha.
Edge;)